As Tranças e a Lei

Ela queria, ela podia.

Se tinha tinta, pintava. Depois emoldurava.
Pregava na parede da cozinha, torto.
Se papel, escrevia; se grafite, apagava; se caneta, eternidade.

Se tinha dinheiro no bolso, viajava, e lá, gastava, comia, restaurante, massa; vermelha.
Se taça, vinho. Copo, cerveja. Copinho, tequila em shots que também gostava.

E se homem tinha, sexo. E assim, gozo.

Se sim, ótimo; se não, de modo algum descanso.; pelo contrário: ‘finaliza, porra!’

E de vontade em vontade, queria, podia e fazia. Acontecia.
Foi assim por trinta anos, inclusive na faculdade. Fez o que quis, contrariando pais, amigos, irmãos e conselheiros de rua, amigos de bar, coaches de toda espécie, orientadores vocacionais, lembra?

Fez torto o Direito, pois lá a vontade não era mais a própria. O papo era coletivo, meu direito pra cá, o seu pra lá, o nosso, o vosso, senhor nas alturas o excelentíssimo.
E assim seu nariz foi aos poucos envergando. O ar que era só seu começou a ser pouco e ela deixou de querer-poder-fazer: o ar tinha que ser compartilhado, respeitado, inalado, expirou-se;

e fedeu.

Queria, petição.

Podia, não!

Fazia só o que lhe mandavam pois era esse o script do contexto: ‘aperte o botão’, ‘comece da esquerda pra direita’, ‘use terninho azul escuro’…

“Mas eu quero é fazer tranças.
Tranças coloridas, grandes, grossas e finas, de diferentes tamanhos, modelo afro-transgressão, até a bunda, talvez até passando dela” ela dizia.
“A cabeça é minha, o cabelo é meu, trança-lo-ei.”

Talvez fosse a forma dela preservar o que com o tempo havia perdido, não se sabe ao certo. As vísceras eventualmente vem à tona; e as dela surgem como tranças, extensão do seu poder-de-ser, livre arbítrio, que ironia termo tão usado no presídio.

De qualquer maneira, era no emaranhado do direito que ela queria desamarrar os sapatos, o laço do sutiã, queimar a calcinha, vermelha enfiadinha, e jogar na cara do excelentíssimo chefe, seu cheiro.

E quando ele, assustado, viesse com sua ladainha, ‘que porra é essa’?, jogá-lo no chão e estuprá-lo com vontade, com palavras, palavrões a abrir-lhe as entranhas com outras verdades, arrancando-lhe a máscara da normalidade e dos padrões excruciantes que nos fazem vomitar e despindo-o totalmente da moral reinante, paralisia cerebral disfarçada de gravata, bravatas infernais.

E assim o faria, em tempo.
A cabeleireira já estava avisada, tranças a caminho.
E no embaraço das cores por vir estava um camuflado pente de balas que dizia: ‘o dia de chapinha está preste a acabar.’

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