Perfume de Chuva

“Eu acho que devia existir um perfume de chuva. Um perfume daqueles, entorpecentes. Daqueles que te fazem parar, olhar ao redor e fechar os olhos. Um rodopio inebriante, você quase cai no chão, mas continua a procurar pois já virou vício, basta uma única vez, já diziam os adictos.

Sou agora um, portanto, quero esse aroma-em-mim. Quero sentir o seu cheiro me entrar, gotas misturadas com suores, eu plena, cheirosa-de-chuva; que vem antes mesmo da água: o perfume que antecipa a chegada do príncipe, da princesa encantada que antes de pisar no tapete, inspira; cheiro de infinitos pingos, ex-nuvens que agora cansados pesam, escurecem e choram; e como é bom o cheiro-do-choro, perfumes de bebê concentrados em branco boiando em azuis. 

Realmente eu acho que tinha que ter um perfume de chuva. De verão, de pancada, aos montes para lavar a alma. Vou pegar um balde, sim. Vou colher as sementes-que-caem, órfãs ou não (há quem diga que são filhas doces do mar, rebeldes sem sal), e torná-las moças. As mesmas que descem alterando o olhar. Contrastam com o rei e nos dão arcos-íris.

No fim do pote, ouro, pois a chuva que cai, brilha. O asfalto vira champanhe quando tocado por elas num dia de sol, e somos brindados quando a sorte faz chover justo quando estamos por lá, na estrada, no meio de uma tarde trivial.

Vem a fumaça, de baixo para cima como um fogo sem cor; como se anjos de piche se descolassem neblina acima, orientados pelo rastro deixado pelas águas que caem. Rastro, o perfume de chuva vai deixar um longuíssimo rastro, daqueles celestes e essências de Netuno.

Um pouco do trovão e tempestade, uma pitada de dilúvio. Mais um pouco de garoa, chuvisco e uma mão cheia de orvalho e teremos a base perfeita para um perfume em dimensões que vão do sutil ao arrebatamento por nocaute. Até o ‘caldo’ das ondas namora com a chuva. E esse namoro exala espuma.

Quanto ao tamborilar na folhas, verdes essenciais. Quanto à infiltração na terra, textura; do seco ao molhado em questão de segundos e um sorriso-malícia que vem aos poucos, criando suspiros. E a pele já não é a mesma; os poros estão abertos e trocam; e roçam. O cheiro e o suor que deles escapa é o vapor que amanhã vai descer direto ao meu frasco.”

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