Talento & Genialidade

Schopenhauer disse isso, não qualquer um.

E a citação está na fabulosa biografia de Leonardo Da Vinci escrita por Walter Isaacson; não por acaso, dado que ele via além do alcance; sobretudo além do alcance dos demais, nós, humanos, mortais.

Pois ele então não morreu?
Sim claro, ser que era.

E errou também, a boa mira lhe faltou. Muitas vezes sem ao menos saber do ponto, lançava a seta. Imaginava que o alvo. Imaginava que lá, tenho pontaria. E tinha. Entre erros e acertos, só colhe o que planta, quem não investe, prejuízo de isenção.

Mas disso não sofria. De cadernos em cadernos, folhas mais desenhos, anotações relatos, questões, elucubra, sugere, da dica, da dica outra, emenda, no cantinho do papel, espremida Monalisa… transpira, imagina, até disseca, ação.
Da perspectiva à ótica, dos cabelos cacheados à quadratura do círculo, o Homem Vitruviano. 
Da água em movimentos, redemoinhos louros. Da observação extrema, dos movimentos dos olhos ao profundo significado do gesto, Leonardo fazia do retrato narrativa, do estático explosão, e procrastina. “Criação tem o seu tempo”, ele dizia. Como ver sem pacatez?

Contemplar é vislumbrar; apreciar o que ao outro trivial. E assim, na mosca. 
No sfumato do futuro tinha a mira. Ninguém via, alguém tentava?

Ao estudar obsessivamente, por-saberes alistados e detalhes flor-da-pele, uma mão canhota produziu no papel o inusitado, inesperado, nunca visto ou almejado.
Sem o alvo disparar? Assim ele o fazia. Tinha a flecha, e a pena, o pincel. Pintava o gol e chutava com a força de cem anos, duzentos adiante, uma peça de teatro tantas vezes ensaiada, quem sabe um dia pronta.

A Performance de Leonardo chegou, chega todo dia, e mostra que o trabalho exitoso independe da REALidade, pois é também na Ficção e na fantasia que se cria o impensável.

Propósito e Alma

Difícil achar melhor exemplo de propósito do que a determinação de quem profere frases como a supra mencionada.
Trata-se de um russo, compositor, ameaçado pelo pervertido comando de Joseph Stalin no período da 2a. Guerra Mundial, um pouco antes, durante, pouco depois.


Mas nada detém o músico, seu movimento é visceral, vem da alma, vem dos ossos, da falange-falangeta-falanginha e uma harmonia de encaixes. Eles tem cintura, dançam habilmente e discorrem sinfonias; histórias embaladas por dedos que imploram por papel, tinta que nunca acabe que é alma jorrando em preto. E no branco, entrelinhas e em plena euforia criativa viram símbolos, notas de emoção, coração e lágrimas tamborilando.

Do, ré MInhas mãos são elixir da gestação; fa, sol LÁ se vão horas, dias, meses transpirados, calos; si, DÓi. Machuca, fere, exaure o processo da intenção, que dele brota o filho, o vinho do ‘luar’, Guernica e as 4 Estações; a 5a. de Beethoven, Monalisa e a Capela Cistina a rogar olhares ao céu, abençoados.

Dedos e Deidades então se fundem na batuta do maestro e valsam instrumentos que conversam entre si; trocam tons, toques e namoram violinos, trompetes que se beijam e flautas que se adulam, adocicadas.
É de lamber os dedos. É de brilhar os beiços; de limpar com a língua o desejo essencial que escorre pelos braços. É tesão que se produz com mãos tão desejosas que se recusam em se entregar: “que me cortem, arrumamos aliados”.

E assim nosso protagonista, o dono das referidas mãos em apuros, desafia Stalin e seu terror no formidável “O Ruído Branco”, de Julian Barnes, uma semi-Ficção que retrata, além da cruel insanidade daqueles tempos, a força do propósito e o puro amor à arte como elementos essenciais à voz, que jamais será calada, nem que para isso eu tenha que “continuar a escrever música com uma pena na boca,” minha eterna imanente.