A Escolha do Talento

E por que acha que o violino é o instrumento certo para você?


A resposta a esta pergunta, no livro A PARTITURA DO ADEUS, de Pascal Mercier, é “Eu sinto isso”, o que retrata um pouco a personalidade da enigmática e absolutamente inesquecível Léa, cuja trágica jornada é relatada com estonteante maestria pelo autor.

O tema da narrativa é diverso, indo desde o processo de luto até o incompreensível e talvez exclusivo amor de um pai por uma filha. O Violino aparece como elemento central, e dele e de seu contexto partem reflexões sobre o apego, as perdas, habilidades, talento e virtudes. É aí que surge a ‘mestra/professora’ que conduzirá a ainda pequena Léa à fama; ao estrelato, incontrolável, perigoso, devastador.

E tudo começa com a identificação do tal ‘talento’ tão necessário ao sucesso, tão desejável, sedutor, implacável. 


Assim como qualquer ofício, tocar violino requer prática, muita prática, horas e horas de incansável repetição até o desabrochar da perfeição: talento criado, crescido, não nato. Como nosso querido Mario Sérgio Cortella costuma dizer, “não nascemos prontos e vamos nos desfazendo; nascemos não prontos, e vamos nos construindo.”

E o mesmo acontece com as habilidades que ‘escolhemos’ desenvolver, ou como no caso da nossa querida personagem, ‘sentimos’ que devemos desenvolver. Seja qual for a forma para se chegar à perfeição, é preciso cuidado pois, além de libertar, o precioso também escraviza; cria dependência, intoxica e pode matar.

E a Ficção aqui nos ensina a ponderar; a entender que a Realidade pode ser bela, ainda que mediana.

Profundidade de Pensar

Assim ele mergulhava de cabeça.
Não tinha essa de colocar o pezinho, um dedo após o outro, ai que frio acho que não. Não tinha essa, vou com tudo e até o fundo.
Assim ele fazia, sempre o fez, faria todo o sempre.

Entrava dentro da espessura, com ou sem equipamento, cavava. Com as unhas arrancava a primeira pele; logo os dedos como garras arrancavam mais insumos, e com mãos e braços enterrados na areia faz jorrar um sal molhado que ninguém mais vê; são só ondas aos surfistas, paisagem ao turista, cenário ao pintor emoldurado.

Para ele não; ao entrar mais dentro na espessura, era tubo: Pipeline do infinito, conexões tigre e um avanço de mil léguas subaquáticas.

Era telescópio enxergando para dentro, que o saber interior leva a buscas colossais. Para fora é exploração, é trator escavadeira, cientista, pescador. Com o pé no brejo ou o olhar no microscópio, microcosmo vira macro e a minhoca é agora a nutrição do próximo milênio. Um virou bilhão e até o cisco é reciclável, tava lá no meio da espessura.


Entrei, rachei a madeira ao longo. Escancarei o livro e lambi com entusiasmo cada uma das suas milhares páginas, doces como mel, migalhas com manteiga açucarada que são letras ao padeiro, tijolos da construção. Argamassa colando linhas, parágrafos adentro e viro uma densa história narrada; e o herói segue adiante comendo letras, engolindo vírgulas, ruminando exclamações… não há pontos finais, só petróleo cru jorrando de poços quiçá um dia artesanais, que depende da Jornada.


É longa, não se prega o contrário, e ele vai. Na pele do Sr. Ulme, retratado no belíssimo romance Flores, de Afonso Cruz, mesmo desmemoriado ele segue pregando a máxima: “Entremos mais dentro na espessura” e instiga, a nós a refletir. Da tabula rasa já excedemos, penso, mas para existir no mundo de hoje é preciso ir além da densidade.

Relativizando o Crescimento

Ah, que saudade dos meus quatro anos, bons tempos, tempo que sabia, tudo. Até ensinava, juro, dava conselhos, apontava defeitos, via com uma clareza, olhos límpidos, descontaminados, cristais de transparência tudo a enxergar. Era só me consultar e lá estava a resposta, um Deus de cinco anos bem vividos, xixi na cama, cocô na calça mas tudo bem, fez parte ajudou-me a ser quem sou. Hoje formado pela extensa vida, tenho pleno conhecimento de tudo e todos, sou criança-adulto, sessenta meses.
Pai e mãe ficaram para trás. Tios e Tias, o que dizer? Avô, Avó… paciência, tenho também tenho muita… ensino. Ensino a mexer no celular, computador, ligo a TV, desligo, controle remoto, eu sou o controle, mando e desmando, quero, deixo de querer, deleto; eu sei o que é bom para mim, deleite!
É preciso avançar, os anos passam muito rápido e já não tenho muito tempo, amanhã eu faço seis, rugas… 
Então avante, querem me seguir? Pois bem, ‘To infinity and beyond’, não sou Story, muito menos Toy, que a vida é séria, quiçá o meu país, vou me candidatar a presidente.

Uma fábula, não?! Talvez, talvez não, a cabeça da criança a gente nunca sabe, acha conhecer, supõe. Mas aos seis anos a certeza é soberana, sei que sei, você não, ou até saiba, mas seu tempo já passou, o meu é que fica.
Meus dedos são mais ágeis, sou mais rápido e até ajo por impulso, posso. Erro rápido é o mantra do contemporâneo, e erro… e logo já vão sete, eternos-sete-aninhos da mais pura ‘REALidade’… … que no QUARTO, assombroso livro de Emma Donoghue, é a vida de Jack, um menino enclausurado que, sem opção, tem que saber. A vida é lá, 9 metros quadrados de um mundo onde a Ficção salva; vira verdade com a ajuda de uma super mãe que questiona a absoluta certeza de um final provável, e muda o rumo da história.