Entusiasmo

E você, consegue inventar entusiasmo?

A julgar pelo personagem de Machado de Assis, isso seria impossível, mas a observar alguns palestrantes motivacionais modernos, pode ser que sim; que alguns conseguem, de fato, simular entusiasmo, entusiasmando outros. De qualquer maneira, este ‘estado de espírito’ tende a ser autêntico, de difícil enganação, visto ser também uma forma de paixão; a demonstração de um grande interesse, um intenso prazer ou uma dedicação ardente, ato observável em Quintanilha, que não consegue fingir seus sentimentos junto a Camila, provável, talvez possível amor.

Nessa esfera, a do relacionamento romântico, o entusiasmo tem um papel importante, pois espontaneamente se declara e diz: ‘estou interessado(a)”. É no olhar que ele transparece, indo para além do artifício, não engana nem a si próprio, nem querendo assim fazê-lo, como um fogo que quisesse não queimar. Na esfera do trabalho, o entusiasmo adquire mais complexas formas, moldando-se ao ambiente e às necessidades (eba, dinheiro!!!), motivando-se a si próprio, fingindo-se espontâneo.

E aí reside o perigo, pois a motivação cessa, não se sustenta no auto-engano, engana-se ao crer que entusiasma. Só o dinheiro de propósito legítimo (Ikigai) vira entusiasmo de fato, observável e reconhecido. E a dedicação que se segue é então genuína, cativante e perene; ânima-fogo, olhar penetrante e uma prática que parece ser entusiasmo nativo.

A Ficção pode até enganar, mas é na Realidade das entrelinhas que surge o texto original, a víscera escondida que mostra o verdadeiro ser, brilhoso e contagiante.

Sobre a Imagem que se tem do Próprio Trabalho

E o seu trabalho? Te gratifica ou te fracassa?
E o sucesso, o que é? Vem do trabalho, mesmo que fracassado?
Vem da grana, do tesão recompensado, bolsos entupidos de papel remunerado?
Ou vem de algo além, indescritível gozo transcendente?
Quer sentir, vem comigo.

O Interprete de Males, conto de Jhumpa Lahiri nos apresenta um personagem sem igual, Sr. Kapasi, ‘interprete’. De que? De males. Entendeu? Uma função também sem igual, mas por ele até então desprezada, visto não ser ele o médico, Deus, para quem interpreta as dores dos pacientes atendidos. Não fosse o fato do doutor não falar a lingua deles (gujaráti), Sr. Kapasi não seria necessário; mas a realidade se mostra outra e então, não fosse ele a ‘traduzir’ as queixas dos enfermos, o desnecessário seria o doutor, este apto a compreender somente uma língua num lugar onde muitas se falam; Deus então é o Sr. Kapasi. Mas sem sabê-lo, sente-se um fracasso: Queria ser um verdadeiro tradutor, ‘interprete de diplomatas e dignitários, resolvendo conflitos entre povos e nações…’ Mas ao conhecer a Sra. Das, cuja família ele leva como guia turístico, trabalho extra, até o Templo do Sol, em Konarak, na Índia, tem sua visão alterada: ‘os pacientes dependem mais de você do que do médico’, diz ela; e ao enaltecê-lo, e seu trabalho, transforma-o. Passa ele a enxergar seu ofício como outro, o sucesso é o dele, não do outro. Nem sabia, ja o fazia bem, indiretamente já curava; e assim sarava do fracasso. A palavra interpretada era o símbolo da cura, sucesso da vida. É a forma do olhar que salva. O que se vê é o que cura; a Ficcão aqui abre os olhos, e a REALidade do fracasso é deixada no embaço ao toque de uma simples frase, ainda ainda que despretenciosa, esclarecedora.