Discurso e Postura

Ele falava e os outros escutavam. Bastava abrir a boca e lá estavam dezenas, se não centenas, talvez milhares a postos para receber o seu discurso essencial. Os bichos se calavam: a cigarra parava de cantar, as formigas de trabalhar, o leão de ser caçador, sentava. Apaixonadas zebras vestiam de volta suas listras, os sapos se descolavam e as araras de eternas mãos enlaçadas se soltavam brevemente para contemplar aquele som ao longe, um canto.

O ambiente se aquietava para escutar; as folhas paravam de balançar como se o vento tivesse deixado de existir, o rio agora estava calmo e os peixes só nadavam na corrente, nunca contra, mas fluindo; nas margens descansavam os já imóveis jacarés, crocodilos e afins do meio sol, que este também resolvera se acomodar por entre leves e vaporosas, ralas e espaçadas, lânguidas nuvens que se desfaziam à menor moção da preguiçosa brisa.

A natureza estava estática assim como as pessoas nela residentes; todos ao dispor do movimento corporal e labial daquele que tinha o feitiço em mãos: a comunicação. Sim, a magia do formato da expressão, aliada ao conteúdo relevante do momento. & Plim, e todos estão lá boquiabertos na espera da enxurrada cativante, das palavras, das pausas engenhosas, do volume, do teatro das caras e caretas e dos gestos calculados que culminam em ovação.

Por fim o herói respira, satisfeito. E ao entoar o seu silêncio final, baixando a cabeça em reconhecimento, devolve os movimentos ao mundo que em hiato o esperava terminar: as folhas balançam, as nuvens voam à luz da brisa desperta e as zebras definitivamente se despem das listras; os jacarés mexem um músculo e a borboleta voa.


E Axl, o idoso protagonista de O Gigante Enterrado, de Kazuo Ishguro, elucubra sobre uma ‘solene’ fala do cavaleiro salvador, no ‘grifo’ acima citado. Um trecho que nos provoca sobre a valor da prosa exitosa, aquela que nos congela e que tira do lugar, nos aquieta, nos altera a memória, faz pensar. Aquela que transforma a Ficção em REALidade.

Comunicação não verbal e a questão do Olhar

Olhe, você está sendo visto! Olhe para mim, que estou olhando para você. Retorno o teu olhar, a ti importo então; e você a mim significa.

Trocando olhares nos assumimos um ao outro e estabelecemos uma conversa-olho; se não sabem, o olho fala, e deveras, muitas vezes mais do que palavras, outras bastam por si só e descartam seu contínuo, o outrora necessário algo a mais, e congelam você num piscar de olhos. Quando vê, já ouviu; fecha os olhos, e não mais. Um silêncio escuro toma conta de você, cego de cera.

Volta a abrir, e ouve. É na empatia dos olhares que a conversa vem adentro, escuta ativa e escuto a a ti; reconheço no outro um outro eu, semelhantes somos aptos de nós.
E decibéis. Ou débeis; enfermas línguas, loucas bocas a falar em disparada, tímpanos exaustos, por favor, me deem um tempo: ‘basta olhar que eu já sei’. ‘Minha mãe olhava eu já sabia’, olho no olho, e uma imagem vale mais que mil palavras, é a janela da alma.

E num recém descoberto PLANETA, o humano de lá grunge, bicho que é. O humano de cá fala, incompreendido; os sons não se conversam e os gestos assumem a forma das possibilidades de diálogo, infrutíferos. “Nenhum lampejo de compreensão iluminou a sua Íris”, pondera Ulysse Merou, o principal personagem de O PLANETA DOS MACACOS, sobre as diversas tentativas de troca com a bela selvagem do distante habitat.

“Por fim olhei para seu olhos…” Mas não adianta: “… seu olhar não simpatizava com o meu.” Era a REALidade de uma Ficção distópica hoje bem concreta: a dificuldade de entender e ser entendido, expressão; e nas páginas desse fabuloso romance atemporal aprendemos que a comunicação, seja ela oral, gestual, visual, pode ser questão de vida ou morte.
Não é mera macaquice.

Criatividade e Inovação

E você, como interage com os outros? Sai, vai falando, se joga conta tudo? Fala pelos cotovelos, mostrando vitórias, contanto conquistas? Sua voz é aquela que sai pelo ladrão? Fala de televisão, do outros, esgoto e de si um montão? Não tem imaginação, é preciso a vida alheia, o assunto não sai, falta termo, e agora, sobre o que vou falar? Tem uma festa hoje, outra amanhã; a propósito, vai chover, você viu? Nem pensar ir ao cabelereiro!

E assim fluem as conversas típicas de gente comum. Mas não a do nosso querido Sherlock Holmes. Somos uma outra espécie. Enquanto uns falam, aquietamos, falar para que? Pensamos, nos aventuramos em nós mesmos. A mente, acima de tudo, pensa, se deixar, viagem intergaláctica, de repente ao centro da terra, ao fundo do mar, 20 mil léguas submarinas.

A imaginação rola solta no pensamento do quieto estranhamento; ele pensa diferente, enxerga de outras cores, até inexistentes, flutua fincado no chão, rasteja vira cobra cor de rosa dançando no salão. Se levanta, se transforma, já é um novo. Quando lhe dão corda, comunicação, se não, boca-cola com durex, auto-sugestão, melhor eu comigo, já tô notra dimensão, sacô rapá. Agora inclusive já sou outro; da perífa, tá ligado?

Tô. Calado falo. A propósito, Falo que não cala; taí mais uma abstração. Engraçado esse silêncio que não cala no papel, ao contrário, berra, cospe, jorra. Teclas que falam pelos dedos de uma Ficção inventada. Uma Ficção na REALidade que sugere não o silêncio, mas uma comunicação outra, anormal, zunzunzum num outro tom.

Comunicação Cega (?)

Em tempos de luz e eletricidade perene, o que faria você sem luz, por 4 horas diárias, durante 7 dias? Aguentaria, enlouqueceria? Você verdadeiramente ‘dá conta’, como muitos falam?
Abaixo, um texto inspirado no conto ao qual o grifo acima se refere.



No escuro, sem outro estímulo para atrapalhar, TOCAMOS; e ao tocar, sentimos, a mão, os dedos, cada dobra, falangeta, falanginha, o envelhecer do tecido-rugas. Ou a juventude da pele ainda suave. Movimentos, pressão e cadência no tato, talvez um aperto de mão. No escuro cada toque toca mais; o carinho no breu arrepia, unhas enlouquecem sem cor.



No escuro, sem outro estímulo para atrapalhar, CHEIRAMOS; e como cheira bem o aroma na sombra: a fruta descascada, o legume, a folha picada. Tudo junto misturado, na panela que ferve, tampa aberta e uma nuvem invisível de essências… As ervas, nariz ampliado, a seiva da mata, o capim, tão belo ao sol, melhor ainda obscuro, cheiro de mata molhada numa noite sem estrelas.



No escuro, sem outro estímulo para atrapalhar, SABOREAMOS; o lábio sente suave a primeira textura, salivamos ao toque da comida que mecanicamente se entrega. Conhecemo-la pelo toque da boca, lábio agora molhado, melado. Mordemos, ossos que dilaceram, fibras se rompem e no fundo da língua uma multiplicação de sabores, ainda mais plenos, agora um cego e ampliado deleite.



No escuro, sem outro estimulo para atrapalhar, também VEMOS, pois olhar olhando, não o fazemos, na cara, não damos conta; olhar nos olhos do outro enquanto falamos, no claro, ofusca, e optamos, portanto, pelo escuro; e assim enxergamos, pupilas dilatadas de coragem.



E no escuro, sem outro estímulo para atrapalhar, OUVIMOS, por também falarmos. Sem nada pra fazer, é o som estimulado pelas trevas que grita. Rompe-se o silêncio e vem a comunicação, a dois; três, quatro, cinco sensores convergidos pela ausência do branco. 
A Ficção do dia sem eletricidade, então, mostra que a REALidade sem iluminação pode ser ainda mais gratificante, aguçando sentidos e ajudando a melhorar relacionamentos