Profundidade de Pensar

Assim ele mergulhava de cabeça.
Não tinha essa de colocar o pezinho, um dedo após o outro, ai que frio acho que não. Não tinha essa, vou com tudo e até o fundo.
Assim ele fazia, sempre o fez, faria todo o sempre.

Entrava dentro da espessura, com ou sem equipamento, cavava. Com as unhas arrancava a primeira pele; logo os dedos como garras arrancavam mais insumos, e com mãos e braços enterrados na areia faz jorrar um sal molhado que ninguém mais vê; são só ondas aos surfistas, paisagem ao turista, cenário ao pintor emoldurado.

Para ele não; ao entrar mais dentro na espessura, era tubo: Pipeline do infinito, conexões tigre e um avanço de mil léguas subaquáticas.

Era telescópio enxergando para dentro, que o saber interior leva a buscas colossais. Para fora é exploração, é trator escavadeira, cientista, pescador. Com o pé no brejo ou o olhar no microscópio, microcosmo vira macro e a minhoca é agora a nutrição do próximo milênio. Um virou bilhão e até o cisco é reciclável, tava lá no meio da espessura.


Entrei, rachei a madeira ao longo. Escancarei o livro e lambi com entusiasmo cada uma das suas milhares páginas, doces como mel, migalhas com manteiga açucarada que são letras ao padeiro, tijolos da construção. Argamassa colando linhas, parágrafos adentro e viro uma densa história narrada; e o herói segue adiante comendo letras, engolindo vírgulas, ruminando exclamações… não há pontos finais, só petróleo cru jorrando de poços quiçá um dia artesanais, que depende da Jornada.


É longa, não se prega o contrário, e ele vai. Na pele do Sr. Ulme, retratado no belíssimo romance Flores, de Afonso Cruz, mesmo desmemoriado ele segue pregando a máxima: “Entremos mais dentro na espessura” e instiga, a nós a refletir. Da tabula rasa já excedemos, penso, mas para existir no mundo de hoje é preciso ir além da densidade.

Relativizando o Crescimento

Ah, que saudade dos meus quatro anos, bons tempos, tempo que sabia, tudo. Até ensinava, juro, dava conselhos, apontava defeitos, via com uma clareza, olhos límpidos, descontaminados, cristais de transparência tudo a enxergar. Era só me consultar e lá estava a resposta, um Deus de cinco anos bem vividos, xixi na cama, cocô na calça mas tudo bem, fez parte ajudou-me a ser quem sou. Hoje formado pela extensa vida, tenho pleno conhecimento de tudo e todos, sou criança-adulto, sessenta meses.
Pai e mãe ficaram para trás. Tios e Tias, o que dizer? Avô, Avó… paciência, tenho também tenho muita… ensino. Ensino a mexer no celular, computador, ligo a TV, desligo, controle remoto, eu sou o controle, mando e desmando, quero, deixo de querer, deleto; eu sei o que é bom para mim, deleite!
É preciso avançar, os anos passam muito rápido e já não tenho muito tempo, amanhã eu faço seis, rugas… 
Então avante, querem me seguir? Pois bem, ‘To infinity and beyond’, não sou Story, muito menos Toy, que a vida é séria, quiçá o meu país, vou me candidatar a presidente.

Uma fábula, não?! Talvez, talvez não, a cabeça da criança a gente nunca sabe, acha conhecer, supõe. Mas aos seis anos a certeza é soberana, sei que sei, você não, ou até saiba, mas seu tempo já passou, o meu é que fica.
Meus dedos são mais ágeis, sou mais rápido e até ajo por impulso, posso. Erro rápido é o mantra do contemporâneo, e erro… e logo já vão sete, eternos-sete-aninhos da mais pura ‘REALidade’… … que no QUARTO, assombroso livro de Emma Donoghue, é a vida de Jack, um menino enclausurado que, sem opção, tem que saber. A vida é lá, 9 metros quadrados de um mundo onde a Ficção salva; vira verdade com a ajuda de uma super mãe que questiona a absoluta certeza de um final provável, e muda o rumo da história.

Sobre o Deus Odin – Sabedoria e Prioridade

Sabedoria, uma questão de Necessidade ou Prioridade?
Aos olhos do Deus Nórdico Odin fundamentalmente uma questão sem discussão. Para obter a plena e total sabedoria, deve dispor de um olho, requisição feita pelo guardião do lago onde há a água da sabedoria – basta um gole e Odin terá toda a sapiência do universo. Ele nem pondera então, decide. Saca um facão, arranca o olho esquerdo e entrega-o em favor de gotas universalmente sábias. 
E você, trocaria seu olho em prol do mesmo? Um pé talvez, ou a mão esquerda? Um rim, o fígado? O que amputaria nessa excêntrica troca?
A lenda nos instiga, pois sugere o câmbio de uma parte física, corporal, por algo abstrato, um conceito. Porém ambos nos importam, na verdade são vitais, e é aí que o dilema reside: como abdicar de um em detrimento do outro? Bom mesmo seria ficarmos com os dois, não!? Mas a vida-como-ela-não-é, perfeita, não deixa, e diz: “a existência é feita de escolhas”, pura negociata. Para alguns, entre o ver e o saber, a questão é de prioridade. Para outros, nem como questão se apresenta; rezam que a sabedoria vem com o tempo, que a própria vida ensina, conhecimento se adquire. Mesmo assim, o mito nos contesta: “Odin passou a ver MAIS LONGE E COM MAIS CLAREZA”, ainda que SOMENTE COM UM OLHO, o que sugere uma louvável troca; afinal de contas, temos dois olhos… 
Não seria portanto óbvio esse escambo? 
A Ficção da Mitologia Nórdica não se mostra assim tão disfarçada; e provoca uma REAL reflexão sobre a forma como desejamos viver: enxergando pouco ou deveras, alternativas que requererão, assim como outrora, e hoje mais ainda, ponderações sensatas .
Boa sorte, escolha bem, e venha ler comigo.