Discurso e Postura

Ele falava e os outros escutavam. Bastava abrir a boca e lá estavam dezenas, se não centenas, talvez milhares a postos para receber o seu discurso essencial. Os bichos se calavam: a cigarra parava de cantar, as formigas de trabalhar, o leão de ser caçador, sentava. Apaixonadas zebras vestiam de volta suas listras, os sapos se descolavam e as araras de eternas mãos enlaçadas se soltavam brevemente para contemplar aquele som ao longe, um canto.

O ambiente se aquietava para escutar; as folhas paravam de balançar como se o vento tivesse deixado de existir, o rio agora estava calmo e os peixes só nadavam na corrente, nunca contra, mas fluindo; nas margens descansavam os já imóveis jacarés, crocodilos e afins do meio sol, que este também resolvera se acomodar por entre leves e vaporosas, ralas e espaçadas, lânguidas nuvens que se desfaziam à menor moção da preguiçosa brisa.

A natureza estava estática assim como as pessoas nela residentes; todos ao dispor do movimento corporal e labial daquele que tinha o feitiço em mãos: a comunicação. Sim, a magia do formato da expressão, aliada ao conteúdo relevante do momento. & Plim, e todos estão lá boquiabertos na espera da enxurrada cativante, das palavras, das pausas engenhosas, do volume, do teatro das caras e caretas e dos gestos calculados que culminam em ovação.

Por fim o herói respira, satisfeito. E ao entoar o seu silêncio final, baixando a cabeça em reconhecimento, devolve os movimentos ao mundo que em hiato o esperava terminar: as folhas balançam, as nuvens voam à luz da brisa desperta e as zebras definitivamente se despem das listras; os jacarés mexem um músculo e a borboleta voa.


E Axl, o idoso protagonista de O Gigante Enterrado, de Kazuo Ishguro, elucubra sobre uma ‘solene’ fala do cavaleiro salvador, no ‘grifo’ acima citado. Um trecho que nos provoca sobre a valor da prosa exitosa, aquela que nos congela e que tira do lugar, nos aquieta, nos altera a memória, faz pensar. Aquela que transforma a Ficção em REALidade.

A Escolha do Talento

E por que acha que o violino é o instrumento certo para você?


A resposta a esta pergunta, no livro A PARTITURA DO ADEUS, de Pascal Mercier, é “Eu sinto isso”, o que retrata um pouco a personalidade da enigmática e absolutamente inesquecível Léa, cuja trágica jornada é relatada com estonteante maestria pelo autor.

O tema da narrativa é diverso, indo desde o processo de luto até o incompreensível e talvez exclusivo amor de um pai por uma filha. O Violino aparece como elemento central, e dele e de seu contexto partem reflexões sobre o apego, as perdas, habilidades, talento e virtudes. É aí que surge a ‘mestra/professora’ que conduzirá a ainda pequena Léa à fama; ao estrelato, incontrolável, perigoso, devastador.

E tudo começa com a identificação do tal ‘talento’ tão necessário ao sucesso, tão desejável, sedutor, implacável. 


Assim como qualquer ofício, tocar violino requer prática, muita prática, horas e horas de incansável repetição até o desabrochar da perfeição: talento criado, crescido, não nato. Como nosso querido Mario Sérgio Cortella costuma dizer, “não nascemos prontos e vamos nos desfazendo; nascemos não prontos, e vamos nos construindo.”

E o mesmo acontece com as habilidades que ‘escolhemos’ desenvolver, ou como no caso da nossa querida personagem, ‘sentimos’ que devemos desenvolver. Seja qual for a forma para se chegar à perfeição, é preciso cuidado pois, além de libertar, o precioso também escraviza; cria dependência, intoxica e pode matar.

E a Ficção aqui nos ensina a ponderar; a entender que a Realidade pode ser bela, ainda que mediana.

Talento & Genialidade

Schopenhauer disse isso, não qualquer um.

E a citação está na fabulosa biografia de Leonardo Da Vinci escrita por Walter Isaacson; não por acaso, dado que ele via além do alcance; sobretudo além do alcance dos demais, nós, humanos, mortais.

Pois ele então não morreu?
Sim claro, ser que era.

E errou também, a boa mira lhe faltou. Muitas vezes sem ao menos saber do ponto, lançava a seta. Imaginava que o alvo. Imaginava que lá, tenho pontaria. E tinha. Entre erros e acertos, só colhe o que planta, quem não investe, prejuízo de isenção.

Mas disso não sofria. De cadernos em cadernos, folhas mais desenhos, anotações relatos, questões, elucubra, sugere, da dica, da dica outra, emenda, no cantinho do papel, espremida Monalisa… transpira, imagina, até disseca, ação.
Da perspectiva à ótica, dos cabelos cacheados à quadratura do círculo, o Homem Vitruviano. 
Da água em movimentos, redemoinhos louros. Da observação extrema, dos movimentos dos olhos ao profundo significado do gesto, Leonardo fazia do retrato narrativa, do estático explosão, e procrastina. “Criação tem o seu tempo”, ele dizia. Como ver sem pacatez?

Contemplar é vislumbrar; apreciar o que ao outro trivial. E assim, na mosca. 
No sfumato do futuro tinha a mira. Ninguém via, alguém tentava?

Ao estudar obsessivamente, por-saberes alistados e detalhes flor-da-pele, uma mão canhota produziu no papel o inusitado, inesperado, nunca visto ou almejado.
Sem o alvo disparar? Assim ele o fazia. Tinha a flecha, e a pena, o pincel. Pintava o gol e chutava com a força de cem anos, duzentos adiante, uma peça de teatro tantas vezes ensaiada, quem sabe um dia pronta.

A Performance de Leonardo chegou, chega todo dia, e mostra que o trabalho exitoso independe da REALidade, pois é também na Ficção e na fantasia que se cria o impensável.

Propósito e Alma

Difícil achar melhor exemplo de propósito do que a determinação de quem profere frases como a supra mencionada.
Trata-se de um russo, compositor, ameaçado pelo pervertido comando de Joseph Stalin no período da 2a. Guerra Mundial, um pouco antes, durante, pouco depois.


Mas nada detém o músico, seu movimento é visceral, vem da alma, vem dos ossos, da falange-falangeta-falanginha e uma harmonia de encaixes. Eles tem cintura, dançam habilmente e discorrem sinfonias; histórias embaladas por dedos que imploram por papel, tinta que nunca acabe que é alma jorrando em preto. E no branco, entrelinhas e em plena euforia criativa viram símbolos, notas de emoção, coração e lágrimas tamborilando.

Do, ré MInhas mãos são elixir da gestação; fa, sol LÁ se vão horas, dias, meses transpirados, calos; si, DÓi. Machuca, fere, exaure o processo da intenção, que dele brota o filho, o vinho do ‘luar’, Guernica e as 4 Estações; a 5a. de Beethoven, Monalisa e a Capela Cistina a rogar olhares ao céu, abençoados.

Dedos e Deidades então se fundem na batuta do maestro e valsam instrumentos que conversam entre si; trocam tons, toques e namoram violinos, trompetes que se beijam e flautas que se adulam, adocicadas.
É de lamber os dedos. É de brilhar os beiços; de limpar com a língua o desejo essencial que escorre pelos braços. É tesão que se produz com mãos tão desejosas que se recusam em se entregar: “que me cortem, arrumamos aliados”.

E assim nosso protagonista, o dono das referidas mãos em apuros, desafia Stalin e seu terror no formidável “O Ruído Branco”, de Julian Barnes, uma semi-Ficção que retrata, além da cruel insanidade daqueles tempos, a força do propósito e o puro amor à arte como elementos essenciais à voz, que jamais será calada, nem que para isso eu tenha que “continuar a escrever música com uma pena na boca,” minha eterna imanente.

Imagem e Ação

A reflexão aqui proposta diz respeito à FAMA e a REPUTAÇÃO que moldamos ao longo da vida, e ao cuidado que temos que ter com o que construímos ao longo do tempo; o custo de uma reputação mal edificada pode ser altíssimo, podendo, inclusive arruinar promissores futuros.

No caso do grifo citado, um sólido empreendimento pode estar à beira do fracasso, dada a óbvia relação entre o bem vendido e o infortúnio do proprietário que se torna ‘corno’. Ainda que a traição sofrida não seja de sua exclusiva responsabilidade, o ‘residual’ do fato pode ser, e comprometer significativamente uma imagem anteriormente ilibada.

De qualquer maneira, é preciso tomar muito cuidado com a imagem, pois ela denuncia. E ao sermos denunciados, carregaremos o fardo.

Por isso, a confeção deve ser bem trabalhada; os fios bem tecidos e a estrutura sólida para que a arquitetura e o design brotem, belos e duradouros. Só assim o chapéu vai conseguir cumprir seu verdadeira ofício: proteger, decorar e atribuir valores a cabeças comprometidas com o futuro, âmago de uma possível notoriedade.

A SOMBRA DO VENTO é um livro poderoso e cheio de ensinamentos, onde os personagens, cada um a seu estilo, dão a sua mensagem. E cabe a nós captá-las. É a Ficção na sua mais pura forma instruindo realidade.

Relativizando o Crescimento

Ah, que saudade dos meus quatro anos, bons tempos, tempo que sabia, tudo. Até ensinava, juro, dava conselhos, apontava defeitos, via com uma clareza, olhos límpidos, descontaminados, cristais de transparência tudo a enxergar. Era só me consultar e lá estava a resposta, um Deus de cinco anos bem vividos, xixi na cama, cocô na calça mas tudo bem, fez parte ajudou-me a ser quem sou. Hoje formado pela extensa vida, tenho pleno conhecimento de tudo e todos, sou criança-adulto, sessenta meses.
Pai e mãe ficaram para trás. Tios e Tias, o que dizer? Avô, Avó… paciência, tenho também tenho muita… ensino. Ensino a mexer no celular, computador, ligo a TV, desligo, controle remoto, eu sou o controle, mando e desmando, quero, deixo de querer, deleto; eu sei o que é bom para mim, deleite!
É preciso avançar, os anos passam muito rápido e já não tenho muito tempo, amanhã eu faço seis, rugas… 
Então avante, querem me seguir? Pois bem, ‘To infinity and beyond’, não sou Story, muito menos Toy, que a vida é séria, quiçá o meu país, vou me candidatar a presidente.

Uma fábula, não?! Talvez, talvez não, a cabeça da criança a gente nunca sabe, acha conhecer, supõe. Mas aos seis anos a certeza é soberana, sei que sei, você não, ou até saiba, mas seu tempo já passou, o meu é que fica.
Meus dedos são mais ágeis, sou mais rápido e até ajo por impulso, posso. Erro rápido é o mantra do contemporâneo, e erro… e logo já vão sete, eternos-sete-aninhos da mais pura ‘REALidade’… … que no QUARTO, assombroso livro de Emma Donoghue, é a vida de Jack, um menino enclausurado que, sem opção, tem que saber. A vida é lá, 9 metros quadrados de um mundo onde a Ficção salva; vira verdade com a ajuda de uma super mãe que questiona a absoluta certeza de um final provável, e muda o rumo da história.

Comunicação não verbal e a questão do Olhar

Olhe, você está sendo visto! Olhe para mim, que estou olhando para você. Retorno o teu olhar, a ti importo então; e você a mim significa.

Trocando olhares nos assumimos um ao outro e estabelecemos uma conversa-olho; se não sabem, o olho fala, e deveras, muitas vezes mais do que palavras, outras bastam por si só e descartam seu contínuo, o outrora necessário algo a mais, e congelam você num piscar de olhos. Quando vê, já ouviu; fecha os olhos, e não mais. Um silêncio escuro toma conta de você, cego de cera.

Volta a abrir, e ouve. É na empatia dos olhares que a conversa vem adentro, escuta ativa e escuto a a ti; reconheço no outro um outro eu, semelhantes somos aptos de nós.
E decibéis. Ou débeis; enfermas línguas, loucas bocas a falar em disparada, tímpanos exaustos, por favor, me deem um tempo: ‘basta olhar que eu já sei’. ‘Minha mãe olhava eu já sabia’, olho no olho, e uma imagem vale mais que mil palavras, é a janela da alma.

E num recém descoberto PLANETA, o humano de lá grunge, bicho que é. O humano de cá fala, incompreendido; os sons não se conversam e os gestos assumem a forma das possibilidades de diálogo, infrutíferos. “Nenhum lampejo de compreensão iluminou a sua Íris”, pondera Ulysse Merou, o principal personagem de O PLANETA DOS MACACOS, sobre as diversas tentativas de troca com a bela selvagem do distante habitat.

“Por fim olhei para seu olhos…” Mas não adianta: “… seu olhar não simpatizava com o meu.” Era a REALidade de uma Ficção distópica hoje bem concreta: a dificuldade de entender e ser entendido, expressão; e nas páginas desse fabuloso romance atemporal aprendemos que a comunicação, seja ela oral, gestual, visual, pode ser questão de vida ou morte.
Não é mera macaquice.