Porteira

Paro o carro, puxo o freio de mão, abro a porta, desço do carro.

Fecho a porta, caminho uns sete passos, eu contei, até a porteira. Destravo. Caminho com ela até abrí-la totalmente. Deixo-a aberta. Volto ao carro. Abro a porta do carro, que fechou sozinha; sim, elas fazem isso. Entro no carro, que deixei ligado. Solto o freio de mão, acelero, avanço uns dez metros, suficientes para cruzar a porteira. Paro o carro novamente. Puxo o freio de mão novamente. Desço do carro mais uma vez e tento deixar a porta aberta. Volto até a porteira. Trago-a de volta comigo pelos mesmos sete poeirentos passos e a travo. Caminho novamente até o carro. A porta ficara aberta. Sento ao volante. Solto o freio de mão e acelero; olho pelo corredor e vejo a porteira ficando para trás. Olho para frente e vejo outra porteira a duzentos metros; míseros duzentos, que o carro nem muda de marcha, posso sentir. Breco.

Desço do carro. Não me importo mais em puxar o freio de mão. O carro fica lá, ligado. Vou até a ‘chave’, um outro tipo de porteira, como se fosse uma extensão da cerca de arame: um fragmento cortado e móvel que se encaixa no pedaço fixo através de umas alças feitas a mão que você tem que encaixar na parte móvel para fechar e deixar a estrutura toda esticada (afinal de contas é para evitar que o gado saia). Abro e carrego este fragmento de cerca até o ponto onde conseguirei passar com o carro novamente. Largo atal ‘chave’ no chão; o pedaço de cerca. Volto até o carro. A maldita porta fechou novamente. Abro e sento ao volante. Avanço com cuidado para não passar em cima dessa ‘porteira mole’, como decido chamá-la. Paro o carro novamente. Desço do carro e ele se move para frente que estou numa descida. Corro em desespero e sento novamente para puxar o freio de mão com força, mas não antes do carro correr uns vinte metros. Desço do carro e percorro o mesmo tanto até a ‘chave’ que ficara no chão; no caminho chuto poeira, puto. Carrego a chave até a cerca fixa e tento encaixá-la, lá. Quem diz que consigo? Com esforço encaixo a base. Mas e o topo? A alça parece que é curta. Suo. O sol é de quarenta graus e tenho que usar a mão esquerda. Assim foi feita pelo canhoto. Projeto o corpo à frente empurrando o pau da cerca mole e com a mão direita tento esticar a alça presa na cerca dura. Prendo o dedo, uma mordida dolorida, mas consigo fechar a porra. Pingo. O pingo cai e de pronto seca.

Volto ao carro que está lá, parado; e fervendo pois a porta está aberta.

O ar está ligado. De nada adianta.
O banco é de couro, pega foto; e eu não sou de Yellowstone. Uso bermudas e a bunda queima. Arde; assa-contrações.

O suor continua brotando da minha nuca como a água do poço que verte mundo afora e escorre minha espinha abaixo, lentamente. Não há parada e eu sorrio-geladinho enquanto já percebo outra a caminho.

Paro o carro, desco, ando, abro, fecho.
Volto, abro, sento, fecho, avanço.
Desço, volto, fecho.

Volto, entro, parto.

Ponho o cinto. Finalmente alcanço a estrada. Asfalto e sinto bem.

Cinquenta, setenta, cem e abro os vidros. O vento entra por todos os lados. Minha camisa infla e outra gota seca. Ironicamente lamento.

Cento e vinte e descabelo. Cento e quarenta.

Piso fundo. Piso mais.

Não sou vaqueiro; muito menos cowboy.
Um caipira talvez. Que na empolgação da estrada sem bloqueio e de chinelos, não percebe uma vaca que também não gostava de porteiras.

 

Eurico_cp

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