“É por isso que eu casei com você Pina, porque você é boa na pipoca.”
A frase é dita sem pretensão, mas certamente com malícia, num dia em que Abelardo, amigo do casal, aparecera por lá, na casa deles para curtir um fim de tarde; tomar umas cervejas, e descobrir, a posteriori, que a pipoca também fazia parte da rotina do casal. Neste momento, a vontade foi só de comer manteiga.
Conversa vai, conversa vem, o tempo passa rápido e a fome vem junto. O por do sol já era; o que esquenta agora são os goles e as panelas; as bundas delas; e suas tampas, que entre fechadas e escancaradas, deixam vazar o vapor de semi abertas.
O amigo que a essa altura já virava quente-amido, observa o movimento com alteradas intenções; e pulula. Percebe que Pina, surpresa pela revelação do marido, sorri flocos de canto de boca; e o parceiro, há princípio em morno-fogo, também começa a produzir vapores. Nunca tinha pensado na mistura, mas a partir do próprio comentário, aventa o impensável. A sugestão estava ali, desabrochada mas simultaneamente bem-velada por constrangimentos de um futuro ao mesmo tempo desejável, oportuno, sonhador.
Cada um tenta amenizar a tensão do desejo contido por goles cada vez mais sorridentes e algo lascivos. A cama está feita, mas ninguém ainda ousa deitar acordado. Delongam.
Um estalo na cozinha os tira do transe e põe Pina de pé. Ela vai até lá, espera; espera.”Será que eu sou boa na pipoca, ou boa de pipoca?” especula consigo enquanto a multiplicação de grãos lentamente arrefece; mas não o seu desejo, que pelo contrário cresce, e rápido, à medida em que põe em outras perspectivas as palavras sugestivas o marido; a arquitetura é ampla. E disruptiva pois não tem pontos de fuga. Ou tem, como toda obra, mas aquela não teria.
Abre a panela: alguns saltos e espasmos. Ela põe um sal e volta para a varanda com pipoca na boca. Abelardo vê o melado. A delonga cessa à medida que Pina se aproxima. O balde que traz abraçada está lotado. Mas as quatro mãos que aguardam não se importam, e transbordam. Agora são seis: trinta dedos amanteigados que se entrelaçam. Que sobem para os lábios e instigam uma apoteose cinematográfica: a cena saída da tela bem ali; e eles protagonistas que nem pensam em atuar. Entregam-se talvez a uma realidade sonhada, uma deliciosa ficção que estava sendo produzida ali, na hora. Posta em prática sem ensaio; sem firulas, sem pudor, sem constrangimento algum.
Se fecham na panela e se matam de ebulir.
Trombam, caem, levantam, voam, deitam; friccionam. Nem pensam esfriar. Não podem. Que o futuro de pipocas travessas sempre acaba num canto escuro e escondido.
E é sempre achado por acaso.
Eurico_cp