UTOPIA

Não queria que assim fosse, que sua avó fosse tão brava, ou a mãe tão enjoada, que a tia falasse tanto, o primo hesitante. O outro um avarento, que fosse só pão duro, amolecido.
Não queria que o mercado fosse tão caro, que a fruta tão madura, que o peixe tão fedido, e a banana, amarela. Nem que o suco engarrafado, o pão fatiado, ou a couve ensacada; e o coco, na garrafa.

Se frustrava com os carros barulhentos, as ruas estragadas, os semáforos quebrados e a calçada sem nível, parede descascada e o muro de tijolo baiano, furado.

Que tristeza o mendigo, o pedinte, o cadeirante deslocado, a vendedoras de balinhas, o flanelinha; não queria pagar aluguel de rua.
Não queria, oras, pagar aluguel.
Nunca desejou a falta de espaço, nem que o homem precisasse de outro lugar; ou o espaço, que aqui já tá lotado. Nunca quis a viagem interplanetária, outras luas, outros sóis. 

Nunca, nunca quis foguetes.
E nem armas, granadas ou espingardas, minas, terrestres ou putas… muito menos balas, muito menos as perdidas; mas também as de chupar, nunca quis as cáries, os implantes, canais ou dentaduras, que odeia o barulhinho do dentista. Assim como o chiclete, o cego que os masca no escuro, que se enxergasse no espelho e o cuspisse, não no chão; que também não da conta do nojo, do esgoto a céu aberto, da sujeira, do filho da puta que joga a bituca do cigarro pelo vidro do busão, Não!
Mil vezes não à fumaça, pois não suporta o escapamento, pra que servem afinal, Poluição direcionada…?

Nunca esteve afim de discussão, a propósito, e nem de debater o sexo dos anjos; política então, nunca quis burocracia, cargos, vantagem, malandragem-putaria, nunca quis a casa da mãe Joana, nem viver nem frequentar, visitar e tampouco por os pés.
Que nunca quis também sujá-los de barro, Mariana, Brumadinho, quanta pena, piedade, que mazela, nunca quis que tanta gente carregasse tanto fardo.
Estou farto.

Não queria nada disso, mas disso tudo tenho, o tempo todo, toda hora sem demora, utopicamente suponho viver.

Pico a minha mente com uma droga chamada sonho, que de dose em dose me dissolve em profecias exclusivas; inalcançáveis, perenes que se acabam depois do primeiro baque. Depois do primeiro tapa, do primeiro trago a fumaça se desfaz, utópica que é, e engana.
Engano a mim, a ele, e junto anestesia, que é isso a utopia.

eCp
#euriscritor

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